O Brasil e o Porto.

 muro de pedras com os azulejos: o melhor café é o da brazileira


A relação entre o Brasil e o Porto vem de longa data. Muitos são os lugares e os acontecimentos que nos remetem à relação da cidade com o Brasil ou com os brasileiros. Nem sempre os turistas e os muitos brasileiros que por cá estão a viver recentemente estão atentos a estes pormenores desta relação tão antiga e tão importante. Eis algumas pessoas e acontecimentos que unem o Porto com o Brasil:

1. Pero Vaz de Caminha

A começar pelo descobrimento do Brasil, sabemos que foi ele quem escreveu a primeira carta ao rei D. Manuel I informando que haviam chegado naquele que seria o maior dos descobrimentos portugueses.
Pois bem, Pero Vaz de Caminha antes de ser recrutado para a armada de Pedro Álvares Cabral, trabalhava na Casa da Moeda do Porto. E quem visita a Casa do Infante, um museu dedicado ao período mercantil do Porto, já que era ali  que se encontrava a Alfândega Régia da cidade, vai conhecer o espaço onde se  produziam moedas de chumbo, bronze e ferro.
Ali também encontra-se o Centro Interpretativo  onde podemos conhecer toda a relação dos descobrimentos portugueses com o Porto, e obviamente o Brasil está ali destacado.
Numa das paredes, a assinatura reproduzida do escrivão Pero Vaz de Caminha chama a atenção dos brasileiros que visitam o Centro Interpretativo da Casa do Infante.

cartaz com assinatura de Pero Vaz de Caminha


2.  O Senhor de Matosinhos

Na cidade vizinha do Porto encontramos uma das mais belas igrejas da região Norte que tem como destaque o seu belíssimo altar de talha dourada e a imagem conhecida como sendo a mais antiga de um Cristo crucificado em tamanho  natural e estima-se que foi esculpida no séc. XIII.
A Igreja do Senhor de Matosinhos foi durante o séc.  XVIII o destino de devoção de muitos portugueses aqui do Norte de Portugal que antes de partir para o Brasil, no período auge da corrida do ouro às Minas Gerais  dirigiam-se  àquele local de culto para fazer os mais diversos pedidos e promessas com relação ao seu futuro naquela longa viagem. Muitas promessas foram cumpridas e o pagamento muitas das vezes era o próprio ouro que era entregue à igreja.
Além disso, existem muitas igrejas construídas nas cidades históricas de Minas Gerais dedicadas ao Senhor de Matosinhos, sendo Congonhas a mais conhecida delas, palco das famosas obras do Aleijadinho que também se inspirou na Igreja do Bom Jesus de Braga.

altar de madeira talhada com a imagem do Senhor de Matosinhos
A imagem do Senhor de Matosinhos venerada por muitos portugueses que partiram para o Brasil

O I Congresso Internacional do Senhor de Matosinhos, que aconteceu em 2019 apresentou em maiores pormenores toda essa relação entre Portugal e Brasil e a devoção da esta imagem do período medieval.

3. Casas de Brasileiros de Torna-Viagem

Um pouco por todo o Norte de Portugal, mas principalmente no Porto, vamos encontrar várias casas que pertenceram aos Brasileiros de Torna-Viagem, uma expressão dada aos portugueses que iam para o Brasil no séc. XVIII, faziam verdadeiras fortunas e ao regressar construíam casas, abriam estabelecimentos comerciais, faziam benfeitorias para a cidade e região. É no Bonfim, uma zona da cidade, que se concentram várias casas desses "brasileiros". São casas palacianas com um estilo arquitetónico que chamava bastante a atenção principalmente naquela época.
No seu interior havia sempre  pinturas que faziam lembrar o país tropical onde teriam vivido.
A casa mais luxuosa desse período é hoje a sede da Comissão de Viticultura da Região do Vinho Verde, mas pertenceu a um destes afortunados vindos do Brasil, o Conde Silva Monteiro. Não fica no Bonfim, mas sim na Rua da Restauração, uma rua que liga o rio Douro à parte alta da cidade.

pintura com paisagem do Rio de Janeiro numa decoração de interior
pormenor na casa do Conde Silva Monteiro que lhe fazia lembrar o Rio de Janeiro

Veja também:


4. D. Pedro, o primeiro Imperador do Brasil


Ao sair do Brasil, quase 10 anos depois de ter declarado a Independência, D. Pedro desembarca em 1832 numa praia em Matosinhos, aqui ao lado do Porto, paratravar contra o seu próprio irmão D. Miguel, uma guerra de se chamou o Cerco do Porto e que durou um pouco mais de um ano.Neste período que esteve no Porto,  D. Pedro estreitou fortes laços com a cidade. Uma intensa trajetória que  transformei num Tour Virtual durante o período da pandemia e que tenho a honra de falar para os brasileiros de um outro D. Pedro, para lá do mulherengo e boêmio, fama que injustamente ofusca tantas outras virtudes deste personagem tão importante para o Brasil e Portugal.
Sua estátua encontra-se no coração da cidade, na Praça da Liberdade e é admirada por tantos turistas que por ali passam.

Estátua de D. Pedro IV no Porto
D. Pedro IV de Portugal e I Imperador do Brasil



estátua de D. Pedro IV no Porto



5. Igreja da Lapa

A Ordem da Lapa foi fundada pelo padre brasileiro Ângelo Sequeira na metade do séc. XVIII.
Neste período ele teve autorização papal para construção de uma capela em devoção à N. Sra. da Lapa (Capela de Nossa Senhora da Lapa das Confissões).
A Igreja da Lapa como a vemos hoje no Porto foi finalizada apenas em 1863. Junto à igreja também podemos encontrar o Cemitério e o Hospital da Ordem da Lapa.

É na Igreja da Lapa que está guardado o coração de D. Pedro IV, o primeiro Imperador do Brasil.
Pedido feito por ele mesmo em seu leito de morte: que seu coração fosse entregue ao Porto, em agradecimento a tudo o que a cidade fez por ele durante o Cerco do Porto.

Fachada da Igreja da Lapa no Porto


6. D. Pedro II Imperador, D. Teresa Cristina e o Grande Hotel do Porto

Não foi só D. Pedro, o primeiro Imperador que veio para o Porto depois que saiu do Brasil. Seu filho, D. Pedro II e a família foram obrigados a deixar o Brasil por consequência da implantação da república brasileira.
Ao chegarem em Lisboa foram impedidos de lá ficar pelo rei português D. Carlos I que achava vergonhoso um imperador deposto permanecer na cidade.
A família deslocou-se para o Porto e ficaram hospedados no Grande Hotel do Porto, na famosa Rua de Santa Catarina. Em menos de um mês D. Teresa Cristina adoeceu e faleceu. Muitos garantem que por desgosto destes últimos acontecimentos da sua vida.
No Grande Hotel do Porto o restaurante leva o nome do II Imperador do Brasil, em sua homenagem.

retratos de D. Pedro II e D. Teresa Cristina
retratos de D. Pedro II e D. Teresa Cristina ( Museu da Misericórdia do Porto)

mesas e cadeiras do Restaurante D. Pedro II
Restaurante D. Pedro II no Grande Hotel do Porto


O Chá das Cinco do Grande Hotel do Porto é aberto ao público e uma boa oportunidade para circular nos ambientes que a família imperial brasileira esteve hospedada até a morte de D. Teresa Cristina.

7. Bacalhau à Gomes de Sá

A mais famosa receita de bacalhau no Brasil, foi criada por um portuense que nasceu e viveu  na Ribeira, o José Luis Gomes de Sá.
Ele foi filho de um bacalhoeiro, um dos muito homens que iam para os mares frios na Noruega, Islândia e Canadá pescar bacalhau e ficavam meses em alto mar.
Em tempos de fome e recessão, o bacalhau muitas vezes era o que se tinha para comer e José Luis Gomes de Sá  que gostava de cozinhar, criou esta receita que ficou tão conhecida em terras brasileiras e graças a isso, o Cônsul do Brasil  no Porto, em 1989 mandou colocar uma placa em sua homenagem na porta da casa em que ele nasceu no Muro dos Bacalhoeiros na Ribeira.


8. Café a Brasileira e Café Guarany

Os cafés do Porto no início do séc. XX eram ponto de encontro da burguesia portuense assim como da classe artística e política da cidade. Por isso eram lugares glamourosos concebidos por ótimos arquitetos.
Adriano Teles foi um dos portugueses que emigrou para o Brasil no séc. XVIII, dedicou-se a muitos negócios, incluindo a produção de café. Ao regressar para Portugal instalou-se no Porto e abriu em 1903 o Café A Brasileira, popularizando no paladar dos portugueses a tão famosa bebida do Brasil. Em 1905 abriu o mesmo Café no Chiado em Lisboa, em 1907 foi a vez de Braga receber o seu Café A Brasileira e em 1928 abriu em Coimbra.
Adriano Teles criou o slogan "O melhor café é o da Brazileira" (antigamente, escrevia-se com z ) e esta frase via-se por várias paredes para divulgar os seus estabelecimentos.

Já o Café Guarany foi aberto em 1933 e leva este nome numa alusão aos índios conhecidos no país que na época era o grande produtor de café do mundo.
Em 2003 o café foi remodelado e recebeu pinturas belíssimas da artista Graça Freitas conhecidas como: Senhores da Amazônia.

O Café Guarany
o Café Guarany e as belíssimas pinturas Senhores da Amazônia

esplanada do Café a Brasileira do Porto
o Café A Brasileira no Porto

Conheça mais sobre: o Café Guarany

9. Ramos Pinto - vinho do Porto

Adriano Ramos Pinto foi um produtor de vinho do Porto diferente dos demais. Fio um visionário que tinha como mercado principal, o Brasil.
Quem visita a cave do vinho do Porto Ramos Pinto em V. N. de Gaia  entende essa relação.
A visita começa por um museu que nos remete em muitas coisas para o Brasil. Desde a grande Exposição Mundial do Rio de Janeiro em 1922, onde Ramos Pinto apostou em grande, até o vinho que recebeu o nome do descobridor do Brasil.

Rótulo explicativo do vinho do Porto Álvares de Cabral da Ramos PInto


Vê-se claramente na visita à Ramos Pinto que o seu fundador era um marketeer e visionava um mercado promissor na época. Por isso, vale a pena visitar esta cave.
Escrevi sobre ela no meu blog: A Casa Ramos Pinto, os seus vinhos e a sua história com o Brasil.

10. Porto de Leixões

É a partir do Porto de Leixões que muitos portugueses partiram para o Brasil.
O meu pai foi um deles.
Desde quando foi construído no final do séc. XIX até meados do séc. XX, milhares de portugueses aqui do Norte, partiam em busca de um mundo novo chamado Brasil.
Meu pai, no auge dos seus 18 anos, saiu de Sendim, uma aldeia em Miranda do Douro a 60 kms de Bragança junto com toda a família num comboio/trem que os levaram até  a estação Porto São Bento.
Lá tiveram que se inscrever para o próximo navio que seguiria com destino a São Paulo.
Este só sairia depois de uma semana e foi quando o meu pai na sua tenra idade da juventude ficou a conhecer o Porto, esta cidade que depois de muitas décadas me recebeu no meu caminho inverso.

Navio e a ponte móvel do Porto de Leixões
Atualmente o Porto de Leixões é o segundo maior porto de Portugal

 


Desde sempre, o Porto foi uma cidade como o nome diz, portuária. 
Cidade de partidas e chegadas. 
Muitos foram, mas muitos chegaram e por aqui ficaram e ajudaram a escrever a história deste lugar.
E talvez por isso, tornou-se uma cidade encantadora e que todos se orgulham.

Afinal... o Porto encanta!

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